segunda-feira, 11 de junho de 2012

Os moinhos de Sancho

Desde ontem à tarde que me vem à cabeça este poema. Do armário velho carregado de pó e traças da nossa infancia, vem-me às vezes as soluções mais óbvias. E esta traz o cheiro a Verão pre-adolescente, quando perder-me na Fnac horas era sentir-me em casa, e uns livros de Miguel Torga ou António Gedeão faziam-me o dia. Já não sou essa menina, mas essa menina é parte da nossa parede-mestra.
Somos diferentes. No bom sentido e no mau, acho que viemos duas ao mundo para não estranharmos tanto o tão diferentes que somos.
E somos boas em tudo o que nos propomos, como o pai e a mãe, pelo simples facto de que, no que somos realmente más (cirugia, pintura, musica...), já descartámos sem hesitação de entrada. E o resto? Um corrupio de 18s, sem descriminação ou critério.
E isso é mau? Depende. Eu prefiro que os meus filhos tenham opções, em lugar de se fixarem todas as suas capacidades e skills em algo que pode ser que não saia nada de jeito. E mau pela eterna insatisfação que nos assombra, e que desespera a quem nos rodeia (a mãe, por ex). Mas da insatisfação também se cresce. E como diz a M. (uma amiga do hospital), "querer saber tudo sobre todas as coisas" é característica de lideres.
O facto de não teres caminho definido e estar contente porque o céu é o limite também me aconteceu pre-mir. E isso é sinal que estás crescida, à 5 anos não saber o passo seguinte te faria facilmente entrar em pânico. Agora achas piada, e sabes que antes de escolher tens o mundo, depois da decisão tens só a tua escolha. E é tão bom ter o mundo por uns meses...com todos os caminhos totalmente abertos...
Bottom line: não peças aos outros que te vejam os moinhos, se isso é só trabalho teu e tu tampouco tens tudo tão claro. Enquanto não escolhes um dos moinhos andaremos todos em roda viva, mas isso é problema nosso.
E tu farás o que bem te der na real gana e serás a melhor do mundo mundial, nem que eu tenha que fazer 100 ecocardios ao dia para te ajudar, so help me God.

Os meus olhos
Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
Que eu vejo no mundo escolhos
Onde outros com outros olhos,
Não vêem escolhos nenhuns.
Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem luto e dores
Uns outros descobrem cores
Do mais formoso matiz.
Nas ruas ou nas estradas
Onde passa tanta gente,
Uns vêem pedras pisadas,
Mas outros, gnomos e fadas
Num halo resplandecente.
Inútil seguir vizinhos,
Querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.
Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.

António Gedeão, 1906-1997

Sem comentários: