sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Viabilizações...

Hoje na aula, deparei-me com uma questão rápida de um aluno sobre algo que não tinha lido. Á pressa li, disse-lhe uma coisa, afinal era outra. Quando percebi olhei para o aluno que se ia embora e fiquei na dúvida egoísta de como agir.   Devia passar a vergonha de, representando uma figura de autoridade, ter de admitir que me enganei ou deixa-lo ir sem dizer nada? Ganhar ou Perder. Engoli em seco, corrigi o erro, pedi desculpa. Achei que tinha nas minhas mãos uma pequena parte da educação destes alunos e que tinha o dever de lhes transmitir o meu conhecimento o melhor que sei.

Porque é que te estou a contar isto? Vinha no metro para casa e li estas linhas numa reportagem da Única sobre a história da elaboração de orçamentos de estado em Portugal.

No ano seguinte, o OE de Sousa Franco foi salvo 'in extremis' com a difícil colaboração do PSD de Marcelo Rebelo de Sousa, que, para se abster e o viabilizar, teve de arranjar um astuto estratagema. Para salvar a face, num cenário com evidentes paralelismos com a situação actual, Marcelo Rebelo de Sousa propôs a António Guterres que introduzisse uma  cláusula na proposta de OE com que o PSD não concordasse, para depois a retirar como sinal de cedência perante a pressão do principal partido da oposição. O pretexto acabaria por ser a coleta mínima. Marcelo arranjou até um 'slogan' para a ocasião: 'Pena Máxima para a Coleta Mínima', e António Costa acedeu em mentir aos jornais dizendo que o Governo fazia ponto de honra nessa medida económica. Pouco depois, Guterres anunciava que a coleta mínima seria retirada perante o ar vitorioso de Marcelo.


Quando é que chegámos a este ponto? Quando é que a política deixou de ser usada como plataforma de ideias discordantes para dar lugar a este reino da fantasia onde perder é morrer? Perder o que? Dignidade? Onde isso já vai...

No nosso Portugal não perder a face toma precedência sobre fazer a coisa certa com transparência e seriedade. E a humilhação de chegar a público uma história destas nada é comparada com a humilhação de admitir que viabilizar um orçamento é necessário.  E pelo tom no qual a reportagem está escrita, para estes jornalistas isto é normal, all in a day's work, right? Assim uma história mentida chega aos portugueses,  porque o Rebelo de Sousa e o António Costa concordaram que nós não temos direito a mais.  Quando é que deixámos de ter direito a mais?

E o argumento que a política é igual em todo o lado não me chega, porque não pode chegar! A fantasia onde os dirigentes vivem e que é alimentada pelo aparelho a que eles chamam partido, tem de acabar. As prioridades têm que ser restabelecidas e focadas nas pessoas a quem estas medidas afectam.  We are in desperately need of a rally to restore sanity...

O meu aluno hoje, teve direito a mais. Perdi a face, mas fiz a coisa certa.  E assim, tenho um pouco mais de sanidade.

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