Como não tem a parte inicial, faço um breve insight: Carolina Patrocínio, mandatária da juventude do PS, admitiu que só come uvas quando a criada lhe tira as grainhas - o que indignou a esquerda portuguesa. Aqui te deixo:
[...]o motivo de indignação é o facto de Carolina Patrocínio admitir ter uma empregada doméstica e não mostrar remorso.
Pode parecer estranho, mas para a Esquerda é desconfortável lidar com este género de ocupação profissional. Há uma relutância em admitir a sua existência. São pessoas que precisam de trabalhar, mas o seu trabalho contribui para que a burguesia se aburguese. Uma empregada lembra aos esquerdistas que nunca vai haver um mundo onde todos façam o mesmo, porque ninguém gosta de lavar a loiça. E a Esquerda tem vergonha em admitir que, por mais nobre e puro que seja o seu propósito, ainda assim precisa de alguém que lhe faça a cama. A grandiosa missão de salvar a humanidade não liga bem com as pequenas maçadas domésticas. É muito giro reformar o mundo, mas perde metade da graça se for feito com peúgas mal lavadas. Por isso é preciso (e peço desculpa se ofendo) "empregar" alguém para estas tarefas.
É um paradoxo que remonta às origens do socialismo. Daí que tenha sido o próprio Marx um dos primeiros a tentar resolvê-los. Nomeadamente, não pagando à sua empregada doméstica, que assim não era explorada com ordenados miseráveis.
Francisco Louçã, por exemplo, tem outro método. Na altura da campanha para as legislativas de 2005, deu uma entrevista em que dizia que na lide doméstica recorre "a uma senhora que vem ajudar". O termo "empregada" é anátema. Achincalha a trabalhadora. Ela até pode estar a esfregar a casa de banho, mas se ninguém lhe disser que é empregada, chiu!, pode ser que não repare e o esfregão não chateie assim tanto. O truque é não lembrar a sua condição indigna. Daí que no programa eleitoral do Bloco a expressão "pleno emprego" tenha sido mudada para "pleno emprego ou auxílio doméstico". A senhora se calhar nem tem vergonha do que faz, mas também não é preciso. Louçã tem-na por ela.
Se a Carolina Patrocínio tivesse dito que quem lhe extraía as grainhas era uma "senhora que vem ajudar", então estava tudo bem. Se tivesse usado o mais arcaico "criada", passava por excêntrica aristocrata. Mas como disse "empregada", é uma opressora de classe média.
Entretanto gostava de pedir referências à Carolina. Se está contente com quem lhe descaroça as cerejas é porque a senhora é jeitosa de mãos. Portanto, é provável que passe bem a ferro. E eu estou mesmo a precisar de quem me engome bem as camisas. Sabe de alguém?
Aliás, é muito por aí, pelo vestuário, que se vê a repugnância de certa esquerda face à realidade do trabalho doméstico. É a mesma esquerda que anda sempre com a roupa amarrotada e surrada. É possível que seja gente que tem empregada, tem é vergonha de lhe pedir que trabalhe. "Ó D.Guiomar pode lavar-me estas calças, se faz favor? Está a ver a novela? Então deixe estar, não se incomode, eu levo assim". E levam mesmo, como se sabe.
Diogo Quintela,
Crónica É muito isto, Revista Pública 23.08.09
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